Problematizando a memória sobre os Bandeirantes

por Rayner da Silva Lacerda

Plano elaborado para 4 aulas

180 min

Ao trabalhar o conteúdo "Bandeirantes e a descoberta do ouro", utilizar o rap "Eu só peço a Deus", do grupo Inquérito para refletir sobre a construção do mito sobre os Bandeirantes e os consequentes lugares de memória e exaltação de alguns personagens como heróis, assim como as possíveis repercussões para as populações prejudicadas por eles, como os indígenas.

CURSO: A Canção Popular no Ensino de História

Objetivos

A atividade se insere no contexto do Brasil Colonial, sociedade mineradora (1º ano do Ensino Médio). Tem como principal objetivo aproximar os alunos de discussões historiográficas ainda pouco presentes ao ambiente escolar. Além disso, procura também:

* Desenvolver a consciência histórica dos alunos;

* Analisar as diferentes interpretações historiográficas sobre os bandeirantes;

* Analisar a produção de imagens (do século XIX e XXI) sobre os bandeirantes;

* Analisar a letra da música “Eu só peço a Deus”, do grupo de rap Inquérito;

* Discutir as aplicações práticas do conceito de memória e patrimônio para a sociedade atual;

* Estimular o senso crítico e o questionamento dos alunos usando informações e situações do cotidiano;

* Relacionar a crítica contida na letra sobre a história dos bandeirantes com os lugares de memória e as representações atuais desses personagens;

* Avaliar a compreensão dos alunos sobre a discussão envolvendo patrimônio e espaços de memória.

Requisitos

A proposta destina-se a alunos do 1º Ano do Ensino Médio.

a) Pré-requisitos

- Contexto histórico sobre a descoberta do ouro no Brasil colonial.

- Domínio dos conceitos de “memória” e “patrimônio”

b) Materiais

- Datashow e caixa de som para reprodução da música e vídeos

- Livro didático para analisar o conteúdo

- Artigo impresso “Bandeirantes, heróis ou vilões? A construção do mito”

Avaliação

A avaliação será feita através da observação do professor sobre o comportamento/compromisso da turma, do texto produzido ao final de cada aula e da produção/apresentação de um seminário.

No primeiro critério serão avaliadas a participação e interação dos alunos durante cada etapa das aulas: comportamentos adequados ao decorrer da explicação, participação efetiva nas discussões propostas, registros escritos e compromisso com as atividades pedidas.

No segundo critério serão analisados a clareza e argumentação ao produzir os textos ao final de cada etapa.

No terceiro critério serão avaliados a qualidade da pesquisa sobre os personagens históricos, os argumentos levantados para problematiza-los, as fontes utilizadas, a clareza e pertinência durante a apresentação oral.

Após a realização das atividades, o professor deve fazer uma autoavaliação em conjunto com a turma. Os alunos irão responder o que acharam mais interesse, o que aprenderam com as atividades, o que funcionou e o que não funcionou e sugestões para próximas aulas.

Lista de atividades

Leitura de texto em sala de aula

15 min

Dando continuidade ao contexto de descoberta do ouro no Brasil colonial, leia juntamente com a turma o texto "Bandeirantes: heróis ou vilões? a construção do mito" e discuta os pontos mais relevantes do artigo: qual o assunto principal da matéria? Quais os principais argumentos do autor? O artigo complementa ou contradiz as informações sobre os bandeirantes presentes no livro didático?

Estimule os alunos a responderem as perguntas. Se necessário, escreva algumas respostas no quadro.

Atividade oral envolvendo a classe (perguntas/respostas/debate)

25 min

Em seguida, apresente para a turma as pinturas de Benedito Calixto (Figura 1) e Henrique Bernardelli (Figura 2). Peça aos alunos para fazerem uma pequena análise das imagens: em qual época foram pintadas? o que as cenas descrevem? Como apresentam os personagens: suas poses, roupas e acessórios? Essas pinturas são coerentes com a história vista no livro didático e no artigo lido? Você pode escrever as respostas no quadro como forma de sintetizar o conhecimento produzido pelos alunos.

Após as respostas, lembre-se de contextualizar a produção das pinturas. Elas fazem parte de um movimento de construção da identidade paulista no século XIX e XX, em decorrência da importância do estado como principal motor econômico do país. Segundo Paulo César Garcez Marins, diferente de Salvador e Minas Gerais, os intelectuais paulistas ainda não haviam encontrado uma forma de provar o seu passado colonial glorioso. Dessa forma, inaugura-se, nas palavras do historiador, "uma longa trajetória de produção de imagens, bidimensionais e tridimensionais, que procuravam celebrar os antigos sertanistas e mediante representações imponentes, capazes de comunicar nos espaços públicos ou em museus o caráter heróico que começava a ser atribuído aos bandeirantes pelos historiadores paulistas".

Você também pode aproveitar o momento para estimular os alunos a fazer reflexões de natureza historiográfica: então toda história é manipulada? Como as interpretações mudam ao longo do tempo? Essas mudanças estão à serviço de quem?

Atividade a ser realizada em casa pelos alunos (lição de casa)

5 min

Para concluir a primeira parte, peça aos alunos para escreverem um pequeno texto com suas considerações sobre as informações que acharam mais relevantes da primeira aula. A ideia é que a produção, em um primeiro momento, seja feita de forma livre, sem muito direcionamento do professor, como forma de avaliar a compreensão do tema. Não deixe de ressaltar que a atividade será conferida na próxima aula e faz parte da avaliação.


Atividade oral envolvendo a classe (perguntas/respostas/debate)

40 min

Após as discussões da aula anterior, agora mostre aos alunos a imagem do "Monumento às Bandeiras" (Figura 3), feita pelo escultor Victor Brecheret. Caso necessário passe o pequeno vídeo que mostra o monumento em detalhes. Em seguida, pergunte aos alunos quais personagens são representados e como eles aparecem no monumento. Dê atenção especial ao papel do indígena: por que ele é o último e o único que parece estar fazendo esforço? Discuta também qual o intuito de construir a estátua e que tipo de memória ela recupera.

Não deixe de destacar que o monumento foi inaugurado em 1953 e que faz parte das comemorações do quarto centenário da cidade de São Paulo, ou seja, assim como as pinturas, também está a favor da construção de uma identidade paulista gloriosa. Caso necessário, instigue os alunos a refletirem sobre como as pinturas e o monumento favorecerem os bandeirantes em detrimentos dos indígenas.

No segundo momento, passe a música "Eu só peço a Deus", do grupo Inquérito. Se necessário, repita o procedimento e depois pergunte aos alunos quais críticas eles identificaram na letra. Em seguida, dê ênfase no trecho: "Bandeirantes, Anhanguera, Raposo, Castelo São heróis ou algoz? Vai ver o que eles fizeram. Botar o nome desses cara nas estrada é cruel. É o mesmo que Rodovia Hitler em Israel"

Pergunte o que os alunos compreendem desse trecho e se reconhecem as personagens citadas. Caso encontre dificuldade na compreensão, explique aos alunos que Anhanguera e Raposo foram ambos bandeirantes paulistas, inseridos no contexto de desbravamento, apresamento de indígenas e descoberta do ouro. Já Castelo foi o primeiro presidente da ditadura civil-militar que durou de 1964 a 1985.

Discuta com os alunos quais as consequências de monumentos que tenham nomes dessas pessoas. Quais sentimentos eles despertam? Eles evocam a mesma sensação do exemplo utilizado pelo artista? Caso os alunos tenham dificuldade em fazer a relação, exponha, por exemplo, escolas e avenidas que levam nomes de ditadores (de Castelo Branco a Getúlio Vargas), mas dê ênfase ao "Monumento de exaltação às Bandeiras".

Atividade a ser realizada em casa pelos alunos (lição de casa)

5 min

Para concluir, peça aos alunos para escreverem um pequeno texto sobre o seguinte questionamento: imagine um tamoio, tupiniquim (ou outro grupo indígena historicamente ligado aos bandeirantes) chegando em São Paulo e se deparando com a estátua: que tipo de reação ela causaria?


Atividade oral envolvendo a classe (perguntas/respostas/debate)

35 min

Após a discussão da aula anterior, mostre agora as últimas imagens sobre os bandeirantes, referentes ao desfile da escola de samba "Mangueira", no carnaval de 2019 (Figuras 4 e 5). Se possível, passe para os alunos trechos do desfile (em especial dos 30 minutos aos 34 minutos). Em seguida faça uma pequena discussão e questione-os: qual a intenção da escola de samba em retratar esse tema? Quais discussões essas imagens/vídeo levantam? Como os bandeirantes são reproduzidos? Por que essa alegoria possui o nome “O sangue retinto por trás do herói emoldurado”?

Caso encontre dificuldades na discussão, não deixe de contextualizar a intenção da escola de samba, que era recontar a História do Brasil, dando ênfase para personagens negros e indígenas, geralmente esquecidos pela “história tradicional”. Aponte que escolhas foram feitas com o intuito de alcançar esse objeto como, por exemplo, o nome do enredo: “História para ninar gente grande”.

Sobre a alegoria, demonstre que a própria escolha das palavras do título já revela a intenção da escola de samba em desconstruir um mito construído, por isso a obra aparece manchada de sangue, fazendo clara referência à relação violenta entre bandeirantes e indígenas. Não deixe de apontar também a intenção da escola em usar o "Monumento às bandeiras" como fonte para problematizar o mito bandeirante, causando um impacto visual coerente com a ambição do enredo.

Caso deseje aprofundar ainda mais a discussão, você pode levantar o fato de que o samba apresentado é uma consequência da crescente onda de representatividade reivindicada por minorias e grupos historicamente invisibilizados; do movimento negro ao feminismo. É uma ótima oportunidade para mostrar aos alunos na prática como a história é (re) escrita à medida que mudam as condições do presente.

Produção escrita individual (alunos)

10 min

Para concluir a aula, peça aos aos alunos para escreverem um pequeno texto sobre o seguinte questionamento: de que maneira a alegoria “O sangue retinto por trás do herói emoldurado”, criado pela escola de Samba Mangueira, se relaciona com as discussões presentes no trecho da música "Eu só peço a Deus", do grupo Inquérito?

Na hora de corrigir essa atividade, atente para a relação entre as duas fontes: ambas questionam a construção de monumentos com figuras históricas polêmicas. O samba enredo é uma evolução da discussão apresentada no rap, pois mostra claramente como a história geralmente privilegia certos discursos em detrimentos de outros.


Seminário em grupo (alunos)

45 min

Por fim, como forma de concluir a atividade, separe os alunos em grupos de quatro a cinco integrantes e peça para eles escreverem o seguinte questionamento: além dos bandeirantes, existem outros personagens e monumentos históricos polêmicos no Brasil?

Essa pergunta deverá ser respondida em forma de seminário, a ser apresentado em outro dia, cumprindo os seguintes critérios:

1) Apresentação com no mínimo 5 e no máximo 10 minutos;

2) Cada grupo irá escolher, problematizar e apresentar uma figura história que possua polêmicas envolvidas. Cabe a você, enquanto professor-tutor, dar suporte aos alunos e auxiliá-los na escolha e no desenvolvimento do tema. Caso eles encontrem dificuldades, forneça sugestões: presidentes, militares, Tiradentes, Zumbi dos Palmares, etc.

3) O objetivo é que os grupos apresentem uma pequena biografia do personagem escolhida, baseada em fontes diversas (textos, imagens, músicas), assim como suas interpretações históricas e representações em monumentos.

4) Para a conclusão, os grupos devem dar ênfase para possíveis interpretações polêmicas e repercussões que envolvam a memória em torno dessa figura histórica.

5) Todos os alunos devem participar, seja contribuindo na pesquisa ou apresentando oralmente. Professor, é importante estar atendo para o fato de que nem todos alunos se sentem dispostos a apresentar oralmente e muitos apresentam dificuldades, a oportunidade de contribuir na pesquisa é uma maneira de sanar parte do problema.

O objetivo do seminário é que os alunos demonstrem na prática a compreensão dos conceitos e da discussão proposta. Sinta-se livre para acrescentar e adequar os critérios ao perfil de sua turma.

Ao término dos seminários, faça um círculo com os alunos e peça para que eles exponham suas conclusões sobre os assuntos e temas vistos nas aulas e nas atividades.


Referências

AZEVEDO, Gislaine & SERIACOPI Reinaldo. História - série Brasil Ed. Ática, São Paulo, 1º ed., 2005.

Benedito Calixto. Domingos Jorge Velho e o loco-tenente Antônio Fernandes de Abreu, 1903, óleo s/ tela, 140 x 99 cm. Acervo do Museu Paulista da USP, São Paulo. Reprodução de Hélio Nobre.

CORTESÃO, Jaime. Raposo Tavares e a Formação Territorial do Brasil. Imprensa Oficial, 2013.

DIAS, Madalena Marques. As bravas mulheres do bandeirismo paulista. Revista História Viva. Ano II, n. 14. Dez. 2004.

Henrique Bernardelli. Ciclo da caça ao índio, 1923, óleo s/ tela. Acervo do Museu Paulista da USP, São Paulo. Reprodução de Hélio Nobre.

LUNA, Francisco Vidal; COSTA, Iraci Del Nero. Minas colonial: economia e sociedade. São Paulo: Estudos Econômicos – FIPE/Pioneira, 1982. p. 57-58

MARINS, P. Nas matas com pose de reis: a representação de bandeirantes e a tradição da retratística monárquica européia . Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 44, p. 77-104, 1 fev. 2007.