Entrelinhas do silenciamento

por rodrigo leite gouvea

Plano elaborado para 2 aulas

90 min

Aula dupla destinada a alunos do 9º EF, a ser trabalhada na 1ª semana do mês de Abril. A partir da análise da pintura "Avô conta uma história" (A. Anker - 1884) e da canção "Desce" (A. Antunes - 1996), identificaremos recursos retóricos que exemplifiquem a tentativa de silenciamento da mulher. Em seguida, iremos contrapor as obras analisadas com a canção "Pietá" (Pietá - 2019).

CURSO: A Canção Popular no Ensino de História

Objetivos

Verificar em que medida os alunos conseguem identificar marcas de silenciamento do discurso feminino e que propostas eles conseguem levantar para se combater essa forma de opressão.

Requisitos

Relembrar o “perfil típico do romancista brasileiro”, estudo realizado pela professora doutora Regina Dalcastagnè – tópico trabalhado em sala um mês antes (em Março). Também será necessário reutilizar os conhecimentos de recursos retóricos (principalmente argumentos falaciosos) a partir da leitura do livro "Justiça", de M. Sandel (cuja leitura terá sido iniciada na segunda quinzena de Fevereiro).

Avaliação

A tarefa de casa terá como função gerar um levantamento prévio das principais dificuldades (e virtudes) demonstradas pelos alunos a partir de um primeiro contato com essa polêmica. A avaliação formal (prova) deverá verificar se os alunos conseguem simular uma discussão similar a partir de outros exemplos, artísticos ou não – a saber, após assistir a uma cena de cinco minutos do filme “A vida invisível” ( Karim Aïnouz - 2019), eles deverão argumentar em que medida o trecho apresenta ou denuncia condutas machistas como algo normalizado em nossa sociedade?

Lista de atividades

Vídeo/Música/Imagem

15 min

Análise coletiva do quadro "Avô conta uma história" (A. Anker - 1884) divida em duas partes, ambas sob mediação do professor. Na primeira, os alunos, obedecendo à orientação sugerida pelo título, verificarão os argumentos retóricos que parecem defender a imagem do avô como uma espécie de modelo de contador de histórias / educador. É esperado que se observem elementos tais como: o personagem estar em primeiro plano, dentro de um arco de círculo formado pelas crianças, a iluminação privilegiada do espaço que ele ocupa, o fato de o título da obra se referir a ele, bem como ele ser o agente da ação mais privilegiada da imagem (contar histórias) - a ideia é identificar um padrão de leitura supostamente confortável e positivo antes de estimular a compreensão da “segunda camada” de análise. A segunda parte começará a partir do questionamento da função retórica das duas personagens que não fazem parte do primeiro plano da história (iremos identifica-las como uma suposta irmã mais velha e a avó). Verificaremos de que modo elas parecem trazer indícios de viverem em uma sociedade que não estimula a voz feminina. Algumas observações esperadas são: a aparente desarmonia da “irmã mais velha” em relação à narrativa sugerida pela análise inicial - reforçada por seu olhar para fora do quadro, o fato de ela e a avó estarem trabalhando e alheias à história contada pelo avô, bem como a estranheza provocada por apenas o avô ser dotado do privilégio de compartilhar seu conhecimento com os netos, enquanto a avó não só está envolta pelo silêncio como também ocupa a área menos clara e nobre da imagem. O intuito é fazer com que, após compreendida essa possibilidade de leitura, os alunos entendam como certas formas de opressão podem passar desapercebidas pelo nosso olhar – principalmente quando não nos identificamos com o sujeito que sofre a opressão.

Leitura de texto em sala de aula

5 min

Os gráficos construídos a partir dos estudos de Regina Dalcastagnè (já estudados em sala de aula um mês antes) serão usados para conectar a análise do quadro (principalmente a interpretação de “segunda camada”) a um problema cotidiano: a continuidade do silenciamento da mulher nos dias atuais. Com isso em mente, os alunos irão ouvir a canção da próxima atividade já sabendo previamente a questão que iremos debater em sequência: em que medida o discurso masculino, embora travestido de aparente gentileza e cavalheirismo, parece desejar que a mulher se ajuste a parâmetros impostos pelos homens?

Vídeo/Música/Imagem

25 min

Análise da canção "Desce" (Arnaldo Antunes - 1996). Aqui os alunos serão divididos em grupos de seis. Dentro desses grupos, haverá uma nova divisão em que metade deles deverá identificar os traços de gentileza ou suposta gentileza do eu lírico masculino, que "convida" a mulher a uma vida mais simples e descompromissada. A outra metade será responsável por problematizar essas evidências, apresentando argumentos que sugiram que a tal gentileza possa ser compreendida não como um ato de generosidade em si, mas que possa carregar resquícios de um desejo de dominação do homem sobre a mulher. Em seguida, desfeitos os grupos, os alunos –sentados em círculo - serão chamados a explicar detalhadamente os resultados se suas análises. Espera-se que os alunos percebam que, por trás da aparente gentileza do eu lírico masculino, podem se esconder indícios de uma postura autoritária e controladora, a qual tenta conduzir a mulher a uma suposta sensação de liberdade condicionada a valores que o eu lírico lhe sugere como sendo mais adequadas. O professor solicitará aos alunos exemplos de outras condutas que possam ser vistas como atos de cavalheirismo ou de machismo, a depender de quem as analisa e do contexto em que cada ação ocorre. A ideia não é desenvolver uma listagem de ações proibidas, mas compreender que nem sempre nosso discurso será ou deverá ser compreendido do modo como esperamos que ele seja.

Atividade oral envolvendo a classe (perguntas/respostas/debate)

35 min

Em grupo de seis, os alunos irão responder a seguinte questão: "como identificar tentativas de silenciamento do discurso feminino?". Após dez minutos, novamente dispostos em círculo, os alunos irão promover um debate a respeito do tema. Colocando em prática as técnicas de argumentação estudadas a partir da leitura de "Justiça" (Michael Sandel), os alunos deverão apresentar suas respostas que serão alvo de questionamentos e/ou críticas dos demais colegas, os quais também precisarão desenvolver seus argumentos se valendo dos mesmos critérios estudados a partir do livro. A ideia é estimular a apresentação de argumentos e contra-argumentos privilegiando o aspecto lógico até que surjam impasses retóricos mais complexos. Nesse momento, o professor deverá apontar a dificuldade ou impossibilidade de construir uma linha argumentativa completamente destituída de ideais ou outros valores subjetivos – destacando que isso não é necessariamente um defeito retórico, mas um parâmetro que não pode ser ignorado na observação ou participação de debates. A ideia é recuperar esse conceito em alguma aula de Junho, quando verificaremos a importância de compreendermos devidamente os valores subjetivos que podem alterar consideravelmente o resultado de um debate – a saber: discutir a escravidão apenas com base em parâmetros econômicos é uma forma de ignorar o aspecto humanitário envolvido nessa forma de exploração.


Vídeo/Música/Imagem

10 min

Como preparação para a tarefa de casa, os alunos irão ouvir a canção "Pietá" (Demarca e Renato Frazão, interpretada pela banda Pietá - 2019). A tarefa consistirá em responder as seguintes questões: “Apesar de ter sido escrita por dois homens, a canção é interpretada por uma cantora (Juliana Linhares). Isso pode caracterizá-la como exemplo de discurso feminino? O que, aliás, seria um discurso feminino? Toda e qualquer fala proferida por uma mulher se enquadra nesse conceito? Quando uma mulher produz, por livre vontade, um discurso alheio, este se torna um discurso feminino?” Como questão extra, os alunos deverão responder: como se combater o silenciamento da mulher na sociedade brasileira?

Referências

GONÇALVES, Renato. Nós duas: as representações LGTB na canção brasileira. Lápis Roxo: São Paulo, 2016.

MARTINS, Franklin. Quem foi que inventou o Brasil? Vol III. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 2015.

MURGEL. Ana Carolina Arruda de Toledo. “A Canção no Feminino”. In: Curso de Formação Continuada da ONHB. Campinas, SP: Unicamp, 2019.

OLIVEIRA, Jocy. A mulher compositora e a quarta onda do feminismo. Publicado originalmente em: http://tutticlassicos.com.br/a-mulher-compositora-e-a-quarta-onda-do-feminismo/jocy/. Cópia retirada de https://musicabrasilis.org.br/temas/mulher-compositora-e-quarta-onda-do-feminismo